quinta-feira, 1 de abril de 2010

Medicina Geral e Familiar e Cuidados Paliativos: aliados ou rivais?


Em 2004, no V Encontro Conimbrigae Salus, a Dra. Isabel Neto, na altura pertencente à equipa de cuidados paliativos de Odivelas, argumentou que os cuidados paliativos se relacionam com os cuidados de saúde primários. Foram apresentados os seguintes motivos:

1. As doenças incuráveis (neoplasias, AVC, demências, etc) são uma realidade na prática dos Médicos de Família (MF);
2. Os cuidados paliativos não são apenas cuidados na agonia e, portanto, é também o MF que estará vocacionado para apoiar os doentes nestas situações;
3. O MF tem à partida integrado nos seus cuidados o acompanhamento da família no luto;
4. A medicina familiar corresponde ainda às necessidades dos doentes paliativos no que diz respeito à acessibilidade aos cuidados de saúde, que neste âmbito se devem concentrar no domicílio;
5. O MF pode actuar ao nível do controlo de sintomas.

In, Médico de Família, Março de 2004

No entanto pergunto: o que diferencia então um Médico de Família de um Médico numa Equipa de Cuidados Paliativos?

Na minha opinião existem pelo menos duas diferenças que importa realçar:
1. Formação;
2. Disponibilidade.

Constatamos que os cuidados paliativos assentam em quatro pilares – controlo de sintomas, comunicação adequada, apoio à família e trabalho em equipa. Qualquer uma destas áreas requer acções específicas e especializadas, sendo que estas só se obtêm através da formação e prática clínica. Não quero com isto afirmar que os nossos MF não têm formação nestas áreas. No entanto, existem muitas especificidades associadas ao fim de vida que nem sempre são convenientemente abordadas durante a formação clínica, muito devido ao ainda “tabu da morte”.
Nesse sentido, deveríamos diferenciar entre “cuidados paliativos generalistas”, aplicáveis a todos os quadros clínicos, independentemente da natureza ou estadio da doença, que qualquer MF poderá praticar desde que com formação básica, e “medicina paliativa especialista” que se centra em doentes com doença avançada, activa, progressiva e com prognóstico limitado. Neste último tipo de cuidados, os problemas do doente e da sua família são tão numerosos, graves ou difíceis de aliviar que requerem e intervenção de uma equipa especializada.
Por outro lado, os cuidados paliativos não advêm da “boa vontade”. Estou convicta que muitos dos nossos profissionais médicos desejariam prestar cuidados de maior proximidade aos seus utentes. No entanto, nem todos conseguem ter tempo disponível para realizar visitas domiciliárias aos utentes que delas necessitam, nem tão pouco estar disponíveis às 2h da manhã, quando o Sr. António tiver uma descompensação sintomática.

É por estes e muitos outros motivos que creio que a medicina geral e familiar assim como a medicina paliativa devem andar de “mãos dadas”, cada uma reconhecendo o valor e papel único da outra.

Sem comentários:

Para Ler e Ver...

  • Amara, Como cuidar dos nossos
  • Marie de Hennezel, Arte de Morrer
  • Marie de Hennezel, Diálogos com a Morte
  • Mitch Albom, As Terças com Morrie
  • Morrie Schwartz, Amar e viver: Lições de um mestre inesquecível
  • Tsering Paldrom, Helena Atkin e Isabel Neto, A dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência