terça-feira, 22 de setembro de 2009

Porquê a morte?


Entidade temida por tantos e desejados por outros que tais. A morte é algo tão imprescindível à vida como o próprio nascimento. Nascemos, crescemos e morremos. Sem um fim não se pode falar em princípio.

Essa morte que os nossos antepassados encaravam como algo natural, prezado e velado tornou-se o inimigo público número um. Tornou-se um acontecimento vergonhoso, que é necessário esconder dos olhares públicos.

Passámos do morrer em casa, tal como acontecia quando os conhecimentos científicos eram menores (mas talvez a sabedoria fosse maior), para o desejo de morrer no hospital, onde ainda pensamos que a medicina actual poderá encurralar e enxotar a morte.

Passámos do morrer com alguma dignidade, no meio do que é nosso, e no meio daquilo que conseguimos alcançar na nossa vida, para irmos morrer numa cama de hospital, onde despimos não só a nossa roupa, mas onde somos também despidos de todo o nosso ser. É a morte moderna! A morte despersonalizada.

Muitas questões e dúvidas rodeiam a morte em si, embora o processo de morrer tenha alguns sinais bem identificados. Porquê agora? Porque não outro? Porquê assim? O que me irá acontecer? Será que há algo para além da vida? Será que estarei sozinho? Que sentido dar à minha vida na eminência da minha morte?

Estas questões são assustadoras porque não há respostas claras e objectivas. Trata-se de uma questão de fé e de esperança, aqui entendidas num aspecto espiritual e não tanto religioso. Alguém dizia “a morte é uma coisa chata mas que tem que ser vivida”. E é o mais certo.

Quase todos nós em algum momento da nossa existência dissemos mal da vida. São os impostos, as chatices com familiares e vizinhos, as coisas que nunca correm como nós queremos, as doenças. Em suma, nunca estamos satisfeitos com a nossa vida. Mas, salvo raras excepções existem pessoas que apesar de insatisfeitas com a vida, quando encaram a morte nos olhos querem fugir dela e regressar à vida que tinham, por muito má que seja. Talvez a solução para não se temer tanto a morte seja viver a vida. Viver cada dia como se fosse o último. E isto é o mais difícil. O mais fácil na vida, se pensarmos bem é morrer.

Marie de Hennezel afirma que a morte é o culminar da nossa vida, o grande ponto alto, e é a morte em si mesma que pode dar algum significado à vida de cada um. Mas porquê? É neste momento que, quando nos é dada a oportunidade, reflectimos sobre aquilo que nos é mais querido e aquilo que de mais importante fizemos. É nesta altura que as pequenas coisas se tornam grandiosas. Não será tanto se temos uma grande casa, ou um grande carro, ou tivemos um bom emprego. É sim pelo número de amigos que não nos deixam nesses momentos. Aquelas pessoas que inesperadamente nos contactam. Um sorriso dos filhos ou dos netos… uma gargalhada. Uma boa recordação.

Existem cinco palavras essenciais que quando são sinceras devem ser referidas quando sentimos (porque se sente) o aproximar da morte: Obrigado, Desculpa, Perdoo-te, Amo-te e Adeus. Não é fácil ter essa consciência dura ainda em vida de que a morte está a chegar. O ser capaz de dizer, a quem mais amamos, adeus. É difícil sim, mas acarreta uma grande paz pela consciencialização de que embora longa ou curta fizemos tudo o que havia ainda para fazer na nossa vida e que resolvemos todos os assuntos que tínhamos pendentes.

No entanto, nem todas as pessoas têm a capacidade para realizar este processo. É a espera de um milagre. A espera de que a ciência, hoje tão desenvolvida, possa ainda encontrar uma solução. A dificuldade em reconhecer que quando se chega a determinado ponto da deterioração da saúde e do próprio corpo, já não há volta a dar atrás. E é então nestes momentos, nestes últimos dias que a maior parte dos doentes, ou talvez mais as suas famílias, desejam e pedem para ir ao hospital… um “soro” vai ajudar, um pouco de oxigénio, ficar internado para melhorar…não é o tratamento em si que vai ajudar estas pessoas, mas sim a resposta ao pedido implícito: “não me deixe só”, “não me abandone”.
No entanto, é nos hospitais que os doentes ficam mais sozinhos e isolados, pois muitas vezes são “escondidos” nos quartos de isolamento, como se padecessem de alguma doença contagiosa, como se a morte fosse contagiosa.

Este medo da solidão e do isolamento está quase sempre presente na mente destes doentes. Adicionados ao medo e à incerteza que rodeia a morte surge o medo da noite. O dormir assemelha-se então a uma pequena morte e, as pessoas lutam contra essa necessidade biológica. Em termos psíquicos o resultado são as insónias, a maior agitação durante a noite e as chamadas constantes de um familiar mais próximo.

Sendo assim, socializar a morte, torná-la mais pública e não tão tabu, torna-se não um capricho mas sim um imperativo ético e moral. Isto porque ao haver este esforço por parte dos doentes, famílias, mas principalmente profissionais de saúde e a sociedade em geral, estamos a contribuir para que as pessoas morram melhor. Morrer melhor aqui significando como o morrer sem medo, aceitando este facto, com melhor controlo de vários sintomas e em paz.

Para Ler e Ver...

  • Amara, Como cuidar dos nossos
  • Marie de Hennezel, Arte de Morrer
  • Marie de Hennezel, Diálogos com a Morte
  • Mitch Albom, As Terças com Morrie
  • Morrie Schwartz, Amar e viver: Lições de um mestre inesquecível
  • Tsering Paldrom, Helena Atkin e Isabel Neto, A dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência