terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Novidade!!!


A Ordem dos Médicos aprovou a criação da competência em Medicina Paliativa.

Neste momento aguardamos, com renovado entusiasmo, a nomeação dos elementos que irão constituir a Comissão Instaladora desta Competência.


Fonte: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

Sondagem: O que falta para que os cuidados paliativos sejam uma realidade?


A principal aposta desta sondagem relacionava-se com o tentar perceber as reflexões de algumas pessoas quanto ao desenvolvimento dos cuidados palaitviso em Portugal.


Não sendo, uma sondagem representativa da realidade, pode-se mesmo assim intuir que a falta de formação dos profissionais nesta área continua a ser alarmante.


Na minha opinião, e no que diz respeito à prática clínica, creio que a aposta, além da formação, seria no trabalho em equipa e não tanto "no trabalho em grupo".


Existem actualmente excelentes profissionais, competentes nas suas áreas de especialidade, que no entanto ainda não conseguem sair debaixo do "manto profissional" e discutir um caso, verdadeiramente, de modo interdisciplinar. Assim sendo, continuaremos a ter durante muito mais tempo a realização de acções paliativas e não tanto de cuidados paliativos.


Lamentavelmente é a nossa realidade.
Vânia Cunha

Ainda a eutanásia...



Todos os profissionais de saúde se regem por determinados códigos de ética e deontológicos. Na área da medicina, estes podem ser resumidos a: Fazer o bem; Não fazer o mal; Justiça; Autonomia do paciente.



Nos meandros destes princípios de ética surge o dilema da eutanásia. Vários autores argumentam que quando os doentes são confrontados com situações de doença grave, não tratável, irreversível e progressiva, quando os níveis de sofrimento são elevados e quando esses doentes têm capacidade de discernimento para decidir acerca da sua vida, segundo o princípio da autonomia deveriam ser capazes de decidir se querem ou não continuar a viver.



De modo a tornar a discussão mais clara, refere-se que o princípio de autonomia retrata a necessidade do profissional de saúde atender à expressão das preferências do doente, após receber informação rigorosa que permite definir essas preferências. Pretende-se com isso permitir que as pessoas tomem decisões informadas acerca dos cuidados que gostariam de receber.



Para além disso argumentam que, nessas condições, o prolongar a vida seria incumprir com os dois primeiros princípios: não se estaria a fazer o melhor pelo doente, pois este estaria a sofrer e, estaríamos inclusive a promover o seu sofrimento.



No entanto, os princípios éticos não são estanques e interagem entre si. Por exemplo, o princípio da autonomia não se aplica apenas aos doentes, sendo também necessário atender à autonomia dos profissionais de saúde. Assim, o doente pode recusar um tratamento indesejado, ao mesmo tempo que o profissional de saúde pode, e deve, recusar administrar um tratamento inútil ou danoso.



Assim, os pedidos de eutanásia podem ser realizados, embora a sua concretização dependa, não só de pressupostos legais, mas também dos valores de cada profissional. Podemos inclusive perguntar-nos: se a eutanásia for legalizada, quantos profissionais a executarão?



A meu ver as questões em torno da eutanásia são falsas questões. Em primeiro lugar, a este nível, por detrás da decisão de legalizar ou não este acto estão presentes questões do âmbito religioso e espiritual (pode um ser humano tirar uma vida humana?) e ético (os profissionais de saúde visam curar e não matar). Em segundo lugar, estamos a construir uma casa pelo telhado: Que razões levam as pessoas a pedir a morte?



Para responder a esta questão menciono dois tipos de doentes: doentes com psicopatologia, nomeadamente ideação suicida, e doentes com problemas de saúde incuráveis aos quais estão associados níveis elevados de sofrimento.



Em ambos casos, é a desesperança e o desejo de não sofrer que está por detrás desse pedido. Já encontrei várias pessoas que demonstraram essa vontade, mas nenhuma que me dissesse “ajude-me a morrer”. No entanto, já ouvi muitos “quero morrer”, principalmente em doentes com doenças em fase terminal. “Quero morrer” é diferente de “Ajude-me a morrer”. Muitos dos doentes em fase terminal desejam viver… viver bem. Falam da morte sim. Mas falam da morte como uma realidade próxima e não algo que queiram antecipar, muito pelo contrário!



Refiro novamente: começamos a casa pelo telhado. Executar um pedido de eutanásia é rápido, fácil e simples. No entanto, eliminar as fontes de sofrimento por detrás desses pedidos é algo moroso, pessoalmente exigente, e emocionalmente doloroso para os profissionais porque se confrontam com os seus próprios medos – medo da morte, do sofrimento, da dor. Matar é fácil! Cuidar é exigente!



Antes de se pensar se legalizamos ou não a eutanásia porque não perguntar: que mecanismos temos para alívio do sofrimento? O que já fizemos? O que podemos fazer ainda? Onde estão os profissionais de saúde com formação específica para intervir no sofrimento?



Actualmente sabemos que os cuidados paliativos são uma resposta adequada para estes doentes. No entanto, o seu desenvolvimento e implementação a nível nacional estão ainda numa fase embrionária. São factores políticos, económicos e sociais que estão por detrás desta situação. Lamentavelmente não vejo justificação em termos de ganhos em saúde. É mais fácil dar uma solução sedativa para matar alguém, do que desenvolver um serviço de saúde que ajude a morrer com dignidade.



Não encontrei ainda um único doente que, recebendo cuidados paliativos DE QUALIDADE (e não o ”nós também fazemos”) tenha realizado um pedido de eutanásia.
O morrer com dignidade é também uma questão associada à discussão acerca da eutanásia, sendo também central em cuidados paliativos.



Dignidade corresponde ao estado de se ser valorizado, honrado, estimado, relaciona-se com orgulho, valor próprio e respeito. Para muito doentes, a noção de dignidade relaciona-se com a ideia de que a sua essência permanecerá para além da morte, isto é, que de algum modo permanecerão vivos. Segundo Chochinov, autor que se tem dedicado à investigação acerca da noção de dignidade, este conceito engloba: preocupações relacionadas com a doença; preocupações relacionadas com o Eu e preocupações relacionadas com o meio social. Deste modo, questiono-me: o que querem dizer com “morrer com dignidade”?



Hoje em dia não é necessário morrer no hospital, despidos de tudo aquilo que caracteriza a nossa individualidade, não é necessário morrer sozinho, não é necessário morrer com sintomas descontrolados. No entanto, julgo que as pessoas ainda não estão totalmente conscientes dos seus direitos e, por outro lado, pelos motivos que já referi, nem sempre é possível ter cuidados de qualidade.



A discussão em torno da eutanásia, a meu ver, torna-se mais difícil em situações de coma irreversível. Nestes casos, as pessoas não estão conscientes para poderem compartilhar as suas vontades, nem os profissionais de saúde poderão ultrapassá-los tomando decisões em seu lugar. Poderei pensar que, se esse coma for mantido através da ligação da pessoa a diversos mecanismos e instrumentos para manter a sua vida então, segundo o princípio da beneficiência e não maleficiência, poderíamos simplesmente suspender o funcionamento dessa maquinaria. Esta situação não corresponde a eutanásia mas sim à suspensão de um tratamento fútil, ao evitar o encarniçamento terapêutico e, assim, será um acto correspondente a boas práticas.



De qualquer modo, creio que a decisão em torno da legalização da eutanásia deveria assentar em discussão séria e multidisciplinar e, ocorrer apenas após a satisfação das necessidades de cuidados paliativos a nível nacional [maior número de equipas de visitação domiciliária especializadas, maior número de profissionais com formação (e motivação) específicas, maior número de unidades de internamento, maior facilidade de acesso à medicação, etc]. Isto porque, se algum dia o nosso país chegar a este ponto de desenvolvimento, em termos de cuidados paliativos, a “questão” da eutanásia poderá pura e simplesmente desaparecer!

Vânia Cunha

Para Ler e Ver...

  • Amara, Como cuidar dos nossos
  • Marie de Hennezel, Arte de Morrer
  • Marie de Hennezel, Diálogos com a Morte
  • Mitch Albom, As Terças com Morrie
  • Morrie Schwartz, Amar e viver: Lições de um mestre inesquecível
  • Tsering Paldrom, Helena Atkin e Isabel Neto, A dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência