sábado, 19 de novembro de 2011

Aprovada a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos


Foi finalmente aprovada a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos na Assembleia da República. A lei consagra o direito e regula o acesso dos cidadãos aos cuidados paliativos, definindo a responsabilidade do estado e criando a Rede Nacional de Cuidados Paliativos.

Após vários anos de espera, é com orgulho e satisfação que vemos alcançada mais uma meta no processo de disponibilização de cuidados de qualidade a pessoas com doenças incuráveis e progressivas com níveis elevados de sofrimento.
Sem qualquer tipo de tendência partidária, referimos que o documento elaborado pelo Grupo Parlamentar do CDS-PP se encontra na secção “Documentos”.

Tomámos a liberdade de retirar desse documento alguns trechos que nos parecem de extraordinária importância.

• “A necessidade crescente de cuidados paliativos é hoje consensual, e a resposta do SNS nesta matéria mantém-se até agora deficitária. Apesar da criação em 2006 da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), através do Decreto-Lei nº 101/2006, de 6 de Junho, com a inclusão na Rede e a preconização de serviços específicos dirigidos a doentes incuráveis e em fase de doença avançada e irreversível, certo é que os Cuidados Paliativos representam a área até agora nela menos desenvolvida.” (pg. 2)

• “Trata-se de um grupo de doentes tão vulneráveis, com necessidades específicas e tempos de sobrevida necessariamente mais reduzidos (…) é pois um imperativo ético e organizativo assegurar o acesso atempado a Cuidados Paliativos e reconhecê-los como um direito inalienável dos doentes, tal como consagrado no presente Projecto de Lei.” (pg. 3)

• “(…) continuam a existir limitações claras (…) decorre de deficiências a vários níveis. Em primeiro lugar, uma clara escassez de valências face às recomendações internacionais, nomeadamente da OMS. Em segundo lugar, verifica-se a nível do país uma enorme assimetria na distribuição regional e na variedade de serviços disponíveis (hospital/internamento/apoio domiciliário). Em terceiro lugar, existem inúmeros problemas no acesso aos cuidados no âmbito da RNCCI, com tempos de espera inaceitáveis no contexto de pessoas em fim de vida, e com burocracia excessiva, introduzida por níveis de decisão desnecessário, com regras rígidas e desajustadas da realidade deste tipo de doentes.” (pg. 3)

• “O primeiro Index Global sobre Qualidade na Morte recentemente realizado pela Economst Intelligence Unit (EIU) coloca Portugal entre os países com piores indicadores no que se refere a cuidados paliativos disponíveis. Entre os 40 países avaliados, Portugal ocupa o 31º, como um dos piores para se morrer, sendo na Europa o mais mal classificado. Os pontos mais frágeis que justificam a fraca avaliação do nosso país são, nomeadamente, a ausência de divulgação e conhecimento público sobre cuidados paliativos, a escassez de profissionais e camas hospitalares nesta área e a falta de serviços de cuidados paliativos disponíveis (www.eiu.com).” (pg. 3)

• “(necessidade de) investimento claro na alocação e formação adequada de recursos humanos: além de uma formação especializada, os profissionais devem ser em número suficiente e dispor de tempos próprios e bastantes para dar resposta condigna às situações clínicas que os doentes apresentam. (…) pela disponibilização dos fármacos considerados fundamentais nesta área e no financiamento claro destas actividades assistenciais. Para além das respostas em internamento, é obrigatório reforçar as respostas diferenciadas de cuidados paliativos a nível domiciliário, bem como aquelas dirigidas a grupos com necessidades especiais (…) como é o caso das crianças e adolescentes e dos doentes com SIDA.” (pg. 4).

terça-feira, 2 de agosto de 2011

O que é a sedação paliativa?


O conceito de sedação paliativa diz respeito à prática médica de induzir sono no paciente de modo a controlar sintomas desagradáveis, como por exemplo, sintomas refractários aos tratamentos preconizados. Existem diferentes tipos de sedação: profunda, contínua ou temporária. Uma sedação suave que acompanhe e potencie os analgésicos, mantendo a consciência do paciente, é recomendável.

Este tratamento distingue-se de eutanásia pois não visa a morte do paciente. No entanto, alguns pacientes sedados podem falecer no decurso do tratamento. Justifica-se esta opção terapêutica em termos do conceito de qualidade de vida. O que se pretende é aliviar o sofrimento.

O objectivo do profissional de saúde é o de aliviar a dor e o sofrimento, mesmo que em certas circunstâncias os seus procedimentos possam influenciar a duração da vida (em termos de encurtamento ou prolongamento). Perante sintomas que resistem a tratamento apropriados, pode tornar-se necessário a sedação paliativa que, deve ser controlada de modo a não ultrapassar o nível necessário para o controlo de sintomas.

A dosagem de medicação numa situação de sedação paliativa ou eutanásia é diferente, sendo mais pequena na primeira situação.

Aquando da decisão pela sedação paliativa deve atender-se ao princípio do duplo efeito e distinguir claramente:
• O objectivo e os meios para alcançar esse objectivo;
• Os resultados intencionados de uma acção e os riscos de efeitos secundários não intencionados mas previstos;
• Os resultados desejados e os resultados intencionados;
• O resultado total.

Uma acção é eticamente permitida se for boa em si mesma, a intenção é produzir um bom efeito, o bom efeito (p.e. alívio sintomático) não deve ser atingido do mau efeito (pe. morte do doente) e deve existir um balanço favorável entre o bom e o mau efeito.

Adaptado de A. Barbosa, in Manual de Cuidados Paliativos (2006).

domingo, 22 de maio de 2011

Ética no Final de Vida

Como em tudo na vida, as questões em torno da prestação de cuidados no final de vida não são de fácil resposta.

Uma questão que logo poderíamos responder com um rotundo Não ou SIM, quando em situações de doença aguda, pode não ter resposta simples quando aplicada à reflexão acerca de casos individuais de doentes paliativos.

Partilho aqui convosco algumas das minhas dúvidas. Reflictam e ajudem-me também a reflectir.
1. Podemos negar informação à família?
2. Devemos perguntar sempre ao doente se podemos informar a família?
3. Será o testamento vital um avanço positivo?
4. Quando o doente faz um testamento vital tem disponível toda a informação necessária para tal?
5. É possível 6 meses antes de morrer antecipar o que vamos desejar quando esse dia chegar? E se mudar de opinião?
6. Devemos discutir a Ordem de Não Ressuscitação com os doentes terminais? Se sabemos que a ONR não é útil (taxa de sucesso nestes doentes é de menos de 2%) para quê oferecer? E nas crianças?
7. Porque não devemos alimentar os doentes com demência avançada?
8. O que é mais benéfico para o doente e família: Sedação Paliativa ou Eutanásia?

Congresso de Cuidados Paliativos







Decorreu na passada semana (18 a 21 de Maio) um dos eventos mais importantes e relevantes no âmbito dos cuidados paliativos: o 12º Congresso da EAPC (European Association of Palliative Care).

Nesse congresso estiveram presentes algumas das pessoas mais credíveis e referidas na investigação, dando o seu contributo para o desenvolvimento do conhecimento em cuidados paliativos. Salienta-se:

• Mary Baines: colega de Cicely Saunders (RIP) no St. Christoper’s Hospice;
• Enric Benito: mentor do grupo de trabalho ao nível da espiritualidade da SECPAL;
• Eduardo Bruera;
• John Ellershaw;
• Xavier Gomez-Batiste (SECPAL);
• Irene Higginson;
• Stein Kaasa;
• Isabel Neto (APCP);
• José Pereira (compatriota madeirense em Toronto).

O tema do congresso – “Reaching Out” – permitiu antever partilha de experiências com profissionais de diversos países (desde a Coreia do Sul, Nova Zelândia, Kuwait; Arménia, EUA, Brasil, Colômbia, etc). O objectivo centrava-se em construir pontes entre vários países, com base na troca de experiências e aprendizagens mútuas.

Ao longo de quatro dias intensos de trabalho foi evidente que em Portugal (pelo menos em algumas zonas do país) já se evidenciam progressos significativos na qualidade de cuidados prestados. Tal é, por exemplo, demonstrado pelo número de posters apresentados por colegas nossos.

No entanto, fica também o sentimento de frustração ao verificar que no nosso Norte Alentejo ainda estamos muito longe do nível mínimo aceitável, por exemplo, quanto ao número de equipas de cuidados paliativos domiciliárias, de suporte intra-hospitalar ou de internamento (tal como foi evidente pela sondagem de Janeiro de 2011).

Mas mais importante ainda será, como Murray referiu na sua comunicação “Primary Care and Palliative Care”, o envolvimento necessário dos cuidados de saúde primários na prestação de cuidados paliativos.

Segundo este prelector, os cuidados de saúde primários necessitam de se centrar em 5 pontos:
1. Cuidados Paliativos para todas as doenças;
2. Aplicáveis o mais precocemente possível;
3. Em todas as suas dimensões (física, social, psicológica e espiritual);
4. Cuidados Paliativos na comunidade;
5. Em todas as nações.

Para que tal ocorra não podemos pensar que apenas os especialistas podem realizar cuidados paliativos. Nesse sentido, vários autores distinguem entre cuidados paliativos generalistas (que todos com formação básica podem prestar) e cuidados paliativos especializados (da responsabilidade dos profissionais com formação avançada.

Fica aqui o desafio:
O que é que nós, nas nossas UCC, USF e UCSP, podemos mudar para nos aproximar-mos do objectivo de responder às necessidades dos doentes paliativos (oncológicos e não só)?
Que passos poderemos dar nesse sentido?
Qual será o primeiro passo?
O que é que eu como médico/enfermeiro/psicólogo/assistente social/fisioterapeuta/ nutricionista, etc., posso fazer individualmente para melhorar o estado da arte?
Que contributos poderemos dar para as nossas equipas?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Novidade!!!


A Ordem dos Médicos aprovou a criação da competência em Medicina Paliativa.

Neste momento aguardamos, com renovado entusiasmo, a nomeação dos elementos que irão constituir a Comissão Instaladora desta Competência.


Fonte: Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos

Sondagem: O que falta para que os cuidados paliativos sejam uma realidade?


A principal aposta desta sondagem relacionava-se com o tentar perceber as reflexões de algumas pessoas quanto ao desenvolvimento dos cuidados palaitviso em Portugal.


Não sendo, uma sondagem representativa da realidade, pode-se mesmo assim intuir que a falta de formação dos profissionais nesta área continua a ser alarmante.


Na minha opinião, e no que diz respeito à prática clínica, creio que a aposta, além da formação, seria no trabalho em equipa e não tanto "no trabalho em grupo".


Existem actualmente excelentes profissionais, competentes nas suas áreas de especialidade, que no entanto ainda não conseguem sair debaixo do "manto profissional" e discutir um caso, verdadeiramente, de modo interdisciplinar. Assim sendo, continuaremos a ter durante muito mais tempo a realização de acções paliativas e não tanto de cuidados paliativos.


Lamentavelmente é a nossa realidade.
Vânia Cunha

Ainda a eutanásia...



Todos os profissionais de saúde se regem por determinados códigos de ética e deontológicos. Na área da medicina, estes podem ser resumidos a: Fazer o bem; Não fazer o mal; Justiça; Autonomia do paciente.



Nos meandros destes princípios de ética surge o dilema da eutanásia. Vários autores argumentam que quando os doentes são confrontados com situações de doença grave, não tratável, irreversível e progressiva, quando os níveis de sofrimento são elevados e quando esses doentes têm capacidade de discernimento para decidir acerca da sua vida, segundo o princípio da autonomia deveriam ser capazes de decidir se querem ou não continuar a viver.



De modo a tornar a discussão mais clara, refere-se que o princípio de autonomia retrata a necessidade do profissional de saúde atender à expressão das preferências do doente, após receber informação rigorosa que permite definir essas preferências. Pretende-se com isso permitir que as pessoas tomem decisões informadas acerca dos cuidados que gostariam de receber.



Para além disso argumentam que, nessas condições, o prolongar a vida seria incumprir com os dois primeiros princípios: não se estaria a fazer o melhor pelo doente, pois este estaria a sofrer e, estaríamos inclusive a promover o seu sofrimento.



No entanto, os princípios éticos não são estanques e interagem entre si. Por exemplo, o princípio da autonomia não se aplica apenas aos doentes, sendo também necessário atender à autonomia dos profissionais de saúde. Assim, o doente pode recusar um tratamento indesejado, ao mesmo tempo que o profissional de saúde pode, e deve, recusar administrar um tratamento inútil ou danoso.



Assim, os pedidos de eutanásia podem ser realizados, embora a sua concretização dependa, não só de pressupostos legais, mas também dos valores de cada profissional. Podemos inclusive perguntar-nos: se a eutanásia for legalizada, quantos profissionais a executarão?



A meu ver as questões em torno da eutanásia são falsas questões. Em primeiro lugar, a este nível, por detrás da decisão de legalizar ou não este acto estão presentes questões do âmbito religioso e espiritual (pode um ser humano tirar uma vida humana?) e ético (os profissionais de saúde visam curar e não matar). Em segundo lugar, estamos a construir uma casa pelo telhado: Que razões levam as pessoas a pedir a morte?



Para responder a esta questão menciono dois tipos de doentes: doentes com psicopatologia, nomeadamente ideação suicida, e doentes com problemas de saúde incuráveis aos quais estão associados níveis elevados de sofrimento.



Em ambos casos, é a desesperança e o desejo de não sofrer que está por detrás desse pedido. Já encontrei várias pessoas que demonstraram essa vontade, mas nenhuma que me dissesse “ajude-me a morrer”. No entanto, já ouvi muitos “quero morrer”, principalmente em doentes com doenças em fase terminal. “Quero morrer” é diferente de “Ajude-me a morrer”. Muitos dos doentes em fase terminal desejam viver… viver bem. Falam da morte sim. Mas falam da morte como uma realidade próxima e não algo que queiram antecipar, muito pelo contrário!



Refiro novamente: começamos a casa pelo telhado. Executar um pedido de eutanásia é rápido, fácil e simples. No entanto, eliminar as fontes de sofrimento por detrás desses pedidos é algo moroso, pessoalmente exigente, e emocionalmente doloroso para os profissionais porque se confrontam com os seus próprios medos – medo da morte, do sofrimento, da dor. Matar é fácil! Cuidar é exigente!



Antes de se pensar se legalizamos ou não a eutanásia porque não perguntar: que mecanismos temos para alívio do sofrimento? O que já fizemos? O que podemos fazer ainda? Onde estão os profissionais de saúde com formação específica para intervir no sofrimento?



Actualmente sabemos que os cuidados paliativos são uma resposta adequada para estes doentes. No entanto, o seu desenvolvimento e implementação a nível nacional estão ainda numa fase embrionária. São factores políticos, económicos e sociais que estão por detrás desta situação. Lamentavelmente não vejo justificação em termos de ganhos em saúde. É mais fácil dar uma solução sedativa para matar alguém, do que desenvolver um serviço de saúde que ajude a morrer com dignidade.



Não encontrei ainda um único doente que, recebendo cuidados paliativos DE QUALIDADE (e não o ”nós também fazemos”) tenha realizado um pedido de eutanásia.
O morrer com dignidade é também uma questão associada à discussão acerca da eutanásia, sendo também central em cuidados paliativos.



Dignidade corresponde ao estado de se ser valorizado, honrado, estimado, relaciona-se com orgulho, valor próprio e respeito. Para muito doentes, a noção de dignidade relaciona-se com a ideia de que a sua essência permanecerá para além da morte, isto é, que de algum modo permanecerão vivos. Segundo Chochinov, autor que se tem dedicado à investigação acerca da noção de dignidade, este conceito engloba: preocupações relacionadas com a doença; preocupações relacionadas com o Eu e preocupações relacionadas com o meio social. Deste modo, questiono-me: o que querem dizer com “morrer com dignidade”?



Hoje em dia não é necessário morrer no hospital, despidos de tudo aquilo que caracteriza a nossa individualidade, não é necessário morrer sozinho, não é necessário morrer com sintomas descontrolados. No entanto, julgo que as pessoas ainda não estão totalmente conscientes dos seus direitos e, por outro lado, pelos motivos que já referi, nem sempre é possível ter cuidados de qualidade.



A discussão em torno da eutanásia, a meu ver, torna-se mais difícil em situações de coma irreversível. Nestes casos, as pessoas não estão conscientes para poderem compartilhar as suas vontades, nem os profissionais de saúde poderão ultrapassá-los tomando decisões em seu lugar. Poderei pensar que, se esse coma for mantido através da ligação da pessoa a diversos mecanismos e instrumentos para manter a sua vida então, segundo o princípio da beneficiência e não maleficiência, poderíamos simplesmente suspender o funcionamento dessa maquinaria. Esta situação não corresponde a eutanásia mas sim à suspensão de um tratamento fútil, ao evitar o encarniçamento terapêutico e, assim, será um acto correspondente a boas práticas.



De qualquer modo, creio que a decisão em torno da legalização da eutanásia deveria assentar em discussão séria e multidisciplinar e, ocorrer apenas após a satisfação das necessidades de cuidados paliativos a nível nacional [maior número de equipas de visitação domiciliária especializadas, maior número de profissionais com formação (e motivação) específicas, maior número de unidades de internamento, maior facilidade de acesso à medicação, etc]. Isto porque, se algum dia o nosso país chegar a este ponto de desenvolvimento, em termos de cuidados paliativos, a “questão” da eutanásia poderá pura e simplesmente desaparecer!

Vânia Cunha

Para Ler e Ver...

  • Amara, Como cuidar dos nossos
  • Marie de Hennezel, Arte de Morrer
  • Marie de Hennezel, Diálogos com a Morte
  • Mitch Albom, As Terças com Morrie
  • Morrie Schwartz, Amar e viver: Lições de um mestre inesquecível
  • Tsering Paldrom, Helena Atkin e Isabel Neto, A dignidade e o sentido da vida: reflexões sobre a nossa existência